01 março 1990

hífen 5



«Tudo na vida é tradução; e, nas mais intensas vivências,
o homem capaz de senti-las sabe quanto isso é verdade
- haverá tradução mais difícil que traduzirmo-nos, ainda que
só pelos gestos do prazer físico, para quem amamos? Por
certo mais difícil, mais impossível, que traduzir para uma
língua quem amemos e admiremos noutra.» - JORGE DE SENA.

Poesia de 26 séculos - (Introdução) - 1.º vol.

TRADUÇÃO


Número dedicado ao acto de traduzir poesia, esta edição plurilingue inclui versões inéditas em português de 16 poetas contemporâneos, provenientes de vários universos linguísticos.
Ciente das polémicas, abordagens e métodos que se vêm desenrolando ao longo de vários tempos históricos e estéticos sobre questões de tradução, de que o «mito da intraduzibilidade» não deixa de ser o cerne mais melindroso no que à poesia diz respeito, HÍFEN recorreu a poetas/tradutores e/ou tradutores/poetas, portugueses, oferecendo assim ao leitor destes Cadernos uma fascinante confrontação de textos e estéticas.
Um pouco à maneira de Diógenes que dava prova do movimento andando, pretende-se aqui, para além de divulgar autores de outras línguas, contribuir para a dissolução da alternativa entre «belas infiéis» e «feias fiéis», antinomia utilizada por Benedetto Croce (Estetica (...) Teoria e storia, 1902) e perfilhada, entre outros, por Georges Mounin (Les belles infidèles, 1955) aderindo nós ao leque dos que admitem uma terceira probabilidade. Esta desiste da teoria do impossível e de dicotomias estafadas, do tipo tradução à letra/tradução livre, seguindo a pista provada de algumas belas fiéis de que Baudelaire traduzindo Pöe ou Nerval traduzindo Goethe são quiçá exemplos. Fidelidade esta relativa a uma linguagem primeva a que os momentos de Babel e Pentecostes dão, em polaridades abrangentes, a medida da nossa irrefutável humanidade. Fidelidade sobretudo às incoincidências e aos labirintos, ao espaço onde o olhar não repousa entre o «texto-fonte» e o «texto-alvo». Partida e chegada em complexa escolha de palavras-ponte que transmutem uma memória dum universo outro. Porque «o que é o poeta, no sentido mais amplo, senão um tradutor, um decifrador? Cada poema é uma leitura da realidade; essa leitura é uma tradução; essa tradução é uma escrita: um voltar a cifrar a realidade decifrada. O poema é o doble do universo: uma escrita secreta, um espaço coberto de hieróglifos. Escrever um poema é decifrar o universo, só para cifrá-lo novamente.» Octávio Pz, (Los hijos del limo 1974, trad. de Olga Savary).
Neste quinto número HÍFEN muda de formato e cores, o que vai ao encontro do tema agora proposto e de alguma pesquisa gráfica que vem pressupondo para rosto próprio, desde o início da sua publicação em 1987. Porque nenhumas razões senão as de mercado (e essas temos o gozo de achar que não nos preocupam muito) ou as das dimensões domésticas das estantes indicam que se mantenham formatos e rostos gémeos até à exaustão. A reprodução duma fotografia inédita, na capa, insere-se igualmente na procura de alguma convergência temática: revelação de imagens exteriores, de textos outros filtrados por um olhar que pode ser atraído pela nitidez ou por um intencional desfoque míope que permite tantas vezes dar traduzibilidade à beleza.

Porto, Março, 1990.
I.L.


HÍFEN - CADERNOS SEMESTRAIS DE POESIA
N.º 5 - MARÇO 1990
(«Tradução» - número temático)


Fotografia da capa - Luís Palma
Arranjo gráfico - Jorge Figueira

Colaboração: Jorge Luís Borges (trad. José Bento), Alain Bosquet (trad. Eugénio de Andrade), Dino Campana (trad. Albano Martins), Paul Celan (trad. António Magalhães), E. E. Cummings (trad. Ana Hatherly), Michael Donhauser (trad. João Barrento), Günter Grass (trad. Egito Gonçalves), Ulla Hahn (trad. João Barrento), Roberto Juarroz (trad. António Ramos Rosa), Sarah Kirsch (trad. João Barrento), Eeva-Liisa Manner (trad. Egito Gonçalves), Georg Maurer (trad. João Barrento), Alain Morin (trad. Luís Miguel Nava), Sandro Penna (trad. Albano Martins), Sylvia Plath (trad. Maria de Lourdes Guimarães), Eloy Sánchez Rosillo (trad. José Bento).

Direcção - Inês Lourenço