02 fevereiro 1991

MONTRA

Montra da Livraria Leitura - Porto

Montra da Livraria Leitura - Porto
Sofia Lourenço na fotografia

01 fevereiro 1991

hífen 6



HERESIAS


HERESIA provém de «haíresis», palavra grega que indica função electiva, escolha, preferência, inclinação, gosto particular, desejo, projecto, estudo particular de, etc., etc.
O espaço individual do mais íntimo/ínfimo é ainda plausível de HERESIA, mesmo na nossa época em que parece estar esgotado o leque das transgressões formais e outras. Só os seres de genealogia divina possuíram o atributo da intemporalidade que torna improdutiva a HERESIA. Na divindade tudo está em tudo, desde sempre e para sempre. Mas este ser auto-parido chamado humano continua perante a impossibilidade de se auto-referenciar para além da sua morte e nascimento. O seu pensamento livre é o NADA aos pés e à cabeceira. Só a HERESIA o poderá salvar deste mortífero cerco; ou as crenças e as descrenças místicas e ideológicas que segundo as épocas e os pareceres sempre forma razão de aderências ou anátemas; ou a paixão, essa HERESIA por excelência que nos coloca na órbita dum ser e estar fora do nosso espaço e circunstância.
No seu número 6, HÍFEN - Cadernos Semestrais de Poesia pretende englobar uma «POIESIS», o que se faz com a palavra (conceito anterior a Aristóteles e revalidado por Valéry), e uma «HAÍRESIS», livre escolha, o gosto particular de, o desejo, dado que ambos os sentidos desde sempre se buscaram e enlaçaram numa mesma vocação, para além de todos os limites e inquisições da circunstância de estar vivo.
Na colectânea que agora se apresenta seguiu-se uma ordenação cronológica de autores por ano de nascimento (iniciada pelos mais recentes), excepto no que concerne a Jorge de Sena, cujos textos, gentilmente cedidos por Mécia de Sena, encerram a presente edição. Edição como sempre multívoca, inscrita por inteiro na multiplicidade e na disseminação inter-geracional, privilegiando a pesquisa e a deambulação, desactualizadas que nos parecem hoje as convencionais aglutinações por estéticas de grupo e demais compartimentos.
Nesta década de velozes mutações, labirinto global onde desabam clivagens, para outras se reacenderem algures, em processo acelerado de produção de poderes de aniquilamento, HÍFEN continua a propor a leitura e exercício do texto poético, este fazer e re-fazer duma inocência virtual, numa busca de sentido, sabedoria ou prazer jubilosamente humanos.

Porto, Fevereiro, 1991.
I.L.


HÍFEN - CADERNOS SEMESTRAIS DE POESIA
N.º 6 - FEVEREIRO 1991
(«Heresias» - número temático)


Na Capa - «Want to bet?» de João Louro
Arranjo Gráfico - Nuno Lourenço

Colaboração: João Luís Barreto Guimarães, Jorge Figueira, Paulo Teixeira, Adília Lopes, Fernando Pinto do Amaral, Gil de Carvalho, Amadeu Baptista, Isabel de Sá, Helga Moreira, António Barbedo, Nuno Júdice, Eduardo Pitta, José Emílio-Nelson, Inês Lourenço, Mário Cláudio, Armando Silva Carvalho, Alberto Pimenta, Fernando Echevarría, Thom Gunn/Maria de Lourdes Guimarães, Fernando Guimarães, Ingeborg Bachmann/João Barrento, Ezra Pund/Ana Hatherly, Jorge de Sena.

Direcção - Inês Lourenço.