20 outubro 1995

LEITURA NO «JORNAL DE NOTÍCIAS»


AS MÃOS E AS VOZES

Vergílio Alberto Vieira

“(…) provavelmente, só vale a pena traduzir poesia, se da tradução resular um poema em português de um poeta português.”
GASTÃO CRUZ
in “A Phala/19”, 1990

Considerada por Octávio Paz como “uma actividade de rendimiento nulo”, num mundo regido pela “lógica do mercado”, a poesia passou a ter (juntamente com as pequenas editoras) a função de gerar anticorpos para defesa da decrepitude que parece te rinvadido o espaço literário, voltando à ordem do dia a insofismável recomendação poundiana de que nada vale o que se escreve por dinheiro, o que "vale" é o que se escreve "contra o mercado". (Cit. por Octavio Paz, em "La otra voz", Seix Barral, 1990, p. 110).
Com idênticas preocupações às que respondem pela consecução de ideais e expressões minoritárias nos domínios da criação artística atraídas pelo desejo de encontrar alternativa aos modelos imperantes, o aparecimento de revistas literárias em torno de escritores com nome feito, ou em vias de fazer-se, na Europa e noutras partes do mundo, sejam os casos de: Nouvelle Revue Française, sob a égide de André Gide; "Revista de Occidente", de Ortega y Gasset; "Sur", de Sílvia Ocampo; "Orfeu", de Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa - tornou-se, não apenas reflexo do estímulo intelectual de que precisam as novas gerações para acolher a emergência da mudança, como se tornou o resultado inovador de tendências originariamente comprometidas com o processo de transformação, filiado, na melhor das hipóteses, na sempre desejável tradição da ruptura.
Na linha de continuidade que o modernismo, entre nós, instaurou pelo início do século, no que se refere a revistas de poesia, parece ter sido a década de 50 a que mais favoreceu a publicação de novos títulos: "Távola redonda" (1950), "Árvore" (1951), "Serpente" (1951), "Cassiopeia" (1955), "Graal" (1956), "Notícias do bloqueio" (1957) e "Cadernos do meio-dia" (1958), outros se lhe seguindo, como "Hidra" (1966), "Grifo" (1970) e "Sema" (1979), para citar alguns, até ao aparecimento, por volta de 1987, de "Hífen", dirigida, a partir do Porto, por Inês Lourenço, e que agora chega ao seu número nove, com uma amostragem dedicada à poesia hispânica, num total de 37 autores de origens várias, e expressão em diferentes idiomas, como o galego, o castelhano, o basco e o catalão, e cuja selecção e tradução se ficou a dever à proposta colocada a dez poetas portugueses pela responsável que, em nota introdutória, assinala não ser intenção desta colectânea dar margem a nenhuma "ambição antologiadora", mas tão-só proporcionar a divulgação de um propósito: “(...) sintonizando escolhas e gostos estéticos dos intervenientes, com o permanente apelo da contemporaneidade".
Orientada para trazer ao leitor português alguma da melhor poesia que constitui - escreve Inês Lourenço este: "(...) fascinante mosaico hispânico, com que partilhamos a península e algum destino", o novo número de "Hífen" reaparece no momento em que a paralisação editorial de projectos congéneres atinge, com seu programa de rotinas inertes, como diria Georges Steiner, o menos rentável dos sectores culturais, por sinal aquele que impede o homem do final do século de experimentar à medida da sua razão de ser "o silêncio inerente à poesia". (cf.. Claude Esteban, Critique de la raison poétique, Flammarion, Paris, 1987).
A título de exemplo, registe-se que Eugénio de Andrade apresenta Unamuno, Machado e Jiménez; Assis Pacheco, Jesús Munárriz e os galegos Antón Reixa e Blanca Andréu; Amadeu Baptista, sete poetas, de entre os quais o galego Ramiro Fonte e o basco Xabier Gantzarain; José Bento, três poetas castelhanos da nova geração; Mário Cláudio, o castelhano José Miguell Ullán e o maiorquino Miguel Angel Riera; Egito Gonçalves, os catalães Antoni Clapés e Alex Susanna e o galego Xosé Maria Alvarez Cáccamo; Joaquim Manuel Magalhães, nove poetas de expressão castelhana; Albano Martins, o catalão Pere Gimferrer, o poeta de expressão castelhana Francisco Brines e o galego Miguel Anxo Fernán-V ello; Fernando Pinto do Amaral, o catalão Jordi Virallonga, que escreve em castelhano, e o galego Xulio Ricardo Trigo, que escreve em catalão; Vergílio Alberto Vieira, Clara Janés, catalã que optou pelo idioma castelhano, e o poeta galego Eusebio Lorenzo Baleirón, desaparecido, em 1986, com vinte e quatro anos de idade.
Se a poesia é, como afirmava António Machado, una cosa cordial, este número de Hífen aí está para o comprovar.
O arranjo gráfico, de excelente nível, é da responsabilidade de Nuno Lourenço.