01 maio 1998

hífen 11


O SÍTIO DAS NASCENTES

(infâncias e outros recomeços)

A ideia foi a de visitar, restituir inícios, inquietar infâncias e espaços de recomeço ou o desejo deles; nostalgias ou a ironia delas ou o reverso ou a expiação de tudo isto.

Não se pretendeu um simples número memorialista, conciliador de origens e processos, mas um som de retorno, que no conjunto de todas as participações fosse o encontro não-brando de tempos e lugares que nos proporciona o uso da poesia. E dizemos “uso” propositadamente, porque as várias formas de iluminar um verso ou linha de texto poético (lendo-o e reproduzindo-o) não se esgotam nos recitais, nos colóquios, nas exegeses, nos noticiários culturais, nos sites da Internet, etc., etc., como os arautos de uma pseudo banalização poética já parecem temer. Muitas gerações e muitos níveis de leitura não esgotaram (nem esgotarão) Camões, Shakespeare, Novalis, Bashô, Baudelaire, Whitman, Pessoa, Lorca, etc. (já para não recuar a textos mais antigos). É esta a soberana contradição da poesia, sendo tão ferozmente íntima e ao mesmo tempo tão plural.

Finda-se com a transcrição de dois excertos de um interessante artigo, publicado em 23 de Março passado, na secção de Economia (!) do jornal Público, sob o título de Vingança Poética (1), onde se dá notícia da circulação de poesia em comboios, autocarros de cidades da Europa, América, Ásia e Austrália, e das 1400 revistas e mais de 800 editores de poesia, que existem neste momento, no já citado continente americano. Tudo isto a propósito da 2visão tecnológica-arrogante de compreender o mundo” que se encontra, no dizer do articulista, “como estava há 400 anos: incerto e frágil”:

“Mas a poesia não é destinada ao prazer. Pode proporcionar prazer, mas a sua finalidade e por isso a sua força é outra. Cada vez que “experimentamos” uma obra de arte, arriscamos a segurança e a harmonia do presente – o mesmo é dizer, a ansiedade e a incerteza do presente. (…) e por isso e não porque os poemas são histórias-muito-lindas, é que na Turquia, na China, no Irão e um pouco pela África e pela Ásia muitos poetas acabam na prisão quando não acabam pior”.

Porto, Maio de 1998
I.L.

(1) da autoria de Fernando Ilharco.
Nota: A ordem alfabética dos autores, neste número, inicia-se do “ómega” para o “alfa”.


HÍFEN - CADERNOS DE POESIA
N.º 11 - MAIO 1998
(«O Sítio das Nascentes» - número temático)

Arranjo Gráfico – Nuno Lourenço
Na capa – Fotografia de José Manuel Teixeira da Silva, Roma, Catacumbas de S. Calixto, 1997
No interior – Gouache de Graça Martins, 3 bonecas sobre a manta de Freud, 1995

Colaboração: Vasco Graça Moura, Pedro Tamen, Pedro Paixão, Paulo da Costa Domingos, Nuno Júdice, Mário Cláudio, Manuel António Pina, José Viale Moutinho, José Emílio-Nelson, Jorge de Sousa Braga, Isabel de Sá, Helga Moreira, Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Fernando Pinto do Amaral, Eduardo Pitta, Diogo Alcoforado, António Osório, Ana Luísa Amaral, Amadeu Baptista, Albano Martins.

Direcção – Inês Lourenço