01 dezembro 1998

hífen 12


QUATRO POÉTICAS

Ninguém se admira quando, ao abrir uma publicação de poesia, depara com um reduzido número de autoras. Nesse pormenor, a HÍFEN não tem fugido à regra. Em cerca de centena e meia de poetas (incluindo traduções de outras literaturas), ao longo de onze edições, não chegam a três dezenas as participações femininas. Assim pareceu-nos pertinente, actual e desejável, neste seu décimo segundo número, pedir a quatro ensaístas portuguesas que escrevessem sobre quatro poéticas de autoras já desaparecidas, que têm marcado profundamente a poesia e os leitores, ao longo do século vinte – Irene Lisboa, Florbela Espanca, Natália Correia, Luiza Neto Jorge. Quanto, e de que forma, deixo às respectivas análises e escolhas emblemáticas realizadas, nas pequenas antologias que integram este caderno. À nossa re-leitura. À vossa / nossa grande emoção.

Serviu-nos igualmente de álibi e hipertexto o poema inédito de Ana Luísa Amaral que a seguir a esta nota introdutória se publica e onde as quatro autoras “Chegadas de paisagens tão diferentes, / estrangeiras entre si, / criaram esse sol de uma outra / cor (…)”. O poema abre-se numa surpreendente osmose recriadora das vozes a que, neste número, avivamos o lume. De “(…) uma planície em silvos e luares”, em “sonetos como portas giratórias”, no 2r9omantismo em sabotagem muda” por “uma porta de gonzos / infinitos,” para “um curto e asselvajado / laranjal (…)”.

Acercando-se a poesia de um estado permanente de transgressão, estranha-se como o universal, o neutro, enformados obviamente pelos modelos dominantes e pelas estéticas que se vão deixando canonizar, polarize ainda, tão fortemente, as máscaras do ser textual (e biográfico), que no caso feminino subverte a tradição, ao tentar encontrar (e encontrar-se) no “avesso” dos modelos culturais existentes, utilizando uma formulação de Maria Irene Ramalho(*).

Reconhecendo que “durante séculos, não há registo de uma voz feminina” na poesia portuguesa, dizendo embora que “isto não significa que o sujeito feminino esteja ausente” da Literatura (cantigas de amigo, Menina e Moça, Violante de Cysneiros, etc.), em capítulo dedicado a novas poetas portuguesas, Nuno Júdice, em recente volume, interroga: “Ponho uma questão prévia: existe uma poesia feminina contemporânea? Se a resposta é positiva, então terá que deduzir-se que, na poesia portuguesa, desde sempre, o feminino foi uma excepção”.(**)

Esperamos, com estas quatro notáveis “excepções” a que a HÍFEN, neste número, se dedica, convocando outros nomes de contemporâneas (Sophia, Fiama, Teresa Horta, Isabel Barreno, Ana Hatherly, Ana Luísa Amaral, Adília Lopes, Isabel de Sá, Helga Moreira, Rosa Alice Branco, Eduarda Chiote, etc.) cujos inéditos integraram já as suas páginas, exercer amplamente a sabotagem da regra.

Porto, Dezembro de 1998
I.L.

(*) Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, “Re-inventing Orpheus: Women and Poetry Today”, Comunicação apresentada no Institute os Romance Studies, Universidade de Londres (Fevereiro 1997) e na Universidade de Stanford, EUA (Abril 1997), p. 9. Oficina do C.E.S., n.º 114, Abril 1998, pp. 1-24. Esta questão havia também já sido abordada pela mesma autora em “O Sexo dos Poetas: A propósito de uma Nova Voz na Poesia Portuguesa”, Via Latina, Inverno de 1989/90, Coimbra, pp. 122-124.
(**) As Máscaras do Poema, Ed. Aríon, Lisboa, 1998, p. 234.


HÍFEN – CADERNOS DE POESIA
N.º12 – DEZEMBRO 1998
(«4 Poéticas» - número temático)

Capa e arranjo gráfico – Nuno Lourenço

Colaboração: Ana Luísa Amaral, Paula Morão/Irene Lisboa, Eunice Cabral/Florbela Espanca, Maria de Fátima Marinho/Natália Correia, Rosa Maria Martelo/Luiza Neto Jorge.

Direcção – Inês Lourenço.