01 dezembro 1999

hífen 13



PARTITURAS


Na convergência para que tendem as diversas artes, por intermédio de suportes, linguagens e processos diferentes, não será o par música/poesia o que menos comunga em sintonias e obras.

Pensámos, assim, compor uma HÍFEN em que essa antiquíssima aliança fosse motivo e celebração, convocando do sacro ao profano, por orientes e grécias, do apolíneo ao dionisíaco, do gregoriano ao jazz, do canto lírico ao fado, do lied à country, aliando sons ou atonalismos por inventar.

Vasco Graça Moura, um dos nossos poetas que tem cultivado a coabitação das duas artes, exprime e exemplifica com textos seus, numa Pequena Antologia em vídeo da sua obra poética (ed. Estrutura de Projecto do Ensino Básico Mediatizado), a preliminar impossibilidade de fazer coincidir um acorde musical (que pode ter nove ou mais notas) com a incapacidade de sobrepor sílabas ou palavras entre si, sem anular qualquer sentido verbal apreensível. No entanto, recenseia na sua própria poesia e na de outros autores "três maneiras concretas para um poeta, de abordar a música": por equivalente metafórico - e alude a Eugénio de Andrade; por pendor descritivo na evocação de composições e compositores - e refere a Arte de Música de Jorge de Sena; ou ainda por tentativa estrutural procurando aplicar na poesia, "com todas as limitações daí decorrentes", certas formas estruturais de música como, por exemplo, a Fuga, ou outras inflexões incluindo o contraponto, ou até a sobreposição de sonoridades repetitivas, visando um contacto com a divindade: o inefável na música. O enorme nome de J. S. Bach perpassa aqui, como perpassa, lembramos nós, o belo poema de Paul Celan Todesfuge ou até, elevando-nos mais além, em geografia apenas, os mantras entoados pelos monges tibetanos nos templos budistas.

Do conseguimento desta pequena celebração HÍFEN, por demais ambiciosa, falarão as páginas deste caderno, que inclui, por ordem cronológica de data de nascimento dos autores, partituras inéditas (sobre poemas) de compositores portugueses, e textos de poesia inéditos de diferentes estéticas e gerações, como é timbre desta publicação.*

Só uma final referência ao texto, em prosa, de Mécia de Sena, cuja personalidade incontornável e estilo vivo estão bem patentes no depoimento que presta sobre a ambiência musical do seu trajecto com o autor de Arte de Música. Agradecemos igualmente a Eduardo Lourenço a cedência do seu texto, publicado recentemente na imprensa, sobre o desaparecimento (não será permanência?) da espécie de menestrel feminino que todos conhecemos (apludindo ou não) nas vésperas da viragem de milénio e que se nos afigura de completa pertinência incluir aqui.

Porto, Dezembro de 1999
I.L.



*Em alguns conjuntos poema/partitura, segue-se a ordem cronológica do compositor, dado o poema ser a parte não inédita da associação.

HÍFEN - CADERNOS SEMESTRAIS DE POESIA
N.º 13 - DEZEMBRO 1999
(«Partituras» - número temático)

Capa - Nuno Lourenço
Fotografia da Capa -José Manuel teixeira da Silva

Colaboração: Mécia de Sena, Eduardo Lourenço, Ana Hatherly, Filipe Pires/Eugénio de Andrade, Alberto Pimenta, Maria Teresa Horta, Fiama Hasse Pais Brandão, Mário Cláudio, Nuno Júdice, Helga Moreira, Paulo Pais, António Pinho Vargas/António Ramos Rosa, Ana Luísa Amaral, Fernando Fabião, Sérgio Pereira, José Manuel Teixeira da Silva, Carlos Azevedo/Luís de Camões, João Luís Barreto Guimarães, Lloyd Cole/trad. João Luís Barreto Guimarães, Nuno Moura/Tiago Cutileiro, Valter Hugo Mãe.
Direcção - Inês Lourenço